quinta-feira, 31 de março de 2011

GERAÇÃO DESENRASCADA

Ao longo da nossa vida, deparámo-nos com momentos cruciais em que somos confrontados com a inevitabilidade de fazermos escolhas.
Um desses momentos é no final do 9º ano, quando os jovens têm de escolher uma área de estudos que irá determinar o seu percurso futuro.
Escolher cursos da área das Humanidade, da área das ciências e tecnologias ou da área das artes é, pois, um dos maiores e mais importantes desafios que se colocam a um jovem.
Alguns, mais pragmáticos, decidem colocar dentro da gaveta as disciplinas em que são mais competentes e de que mais gostam e, influenciados pela escola e, sobretudo, pela família, acabam por enveredar por cursos que, à partida, lhes trarão mais estabilidade no futuro. Estes jovens acabam por se inscrever no curso de Ciências e Tecnologias que lhes dará acesso aos cursos da área da saúde e das engenharias, entre outros.
Há, no entanto, jovens mais idealistas que decidem seguir mesmo as disciplinas de que mais gostam e escolhem os cursos relacionados com as humanidades e as artes.
Claro que ao tomarem essas opções os jovens devem estar conscientes das dificuldades do mundo que os rodeia e conhecerem bem o mercado de trabalho onde pretendem inserir-se para depois não sofrerem decepções quando tiverem dificuldade em arranjar o primeiro emprego.
No já longínquo 12 de Março, a geração «à rasca» saiu à rua para mostrar ao país as dificuldades porque está a passar.
Protestaram contra a precariedade no emprego e contra o desemprego.
Olhando atentamente para o perfil dos organizadores da dita manifestação, o que é que nós temos?
Jovens licenciados, mestrados e até em doutoramento. Muito bem!
Cursos? Relações Internacionais, Relações Públicas, mestrados em «Paz no mundo» e outros semelhantes.
É claro que nada tenho contra estes cursos até porque também eu escolhi um curso da área das humanidades (História) e já em 1979 diziam que estava difícil para arranjar emprego, mas é preciso dizer a estes jovens que o estado português não tem de criar empregos para um jovem mestrado em «Paz no mundo», por muito intelectual, culto e inteligente que esse jovem seja. Penso que terá de pedir emprego nas Nações Unidas ou outros organismos semelhantes ou então terá de responsabilizar a universidade que o formou para essas inutilidades.
Aliás, o verdadeiro problema encontra-se precisamente na falta de escrúpulos que impera em muitos estabelecimentos de ensino superior que se vêem confrontados com excesso de professores e falta de alunos e vai daí criam cursos que são autênticas inutilidades mesmo sabendo que estão a licenciar jovens cujo destino é um call center ou uma caixa de um supermercado, isto se tiverem sorte, senão vão mesmo para o desemprego.
Confrontando-se com esta situação, muitos jovens com cursos sem colocação possível têm enveredado pela política e lá temos nós o futuro carregado de políticos «à rasca» e que, dessa forma, tentam desenrascar-se na vida.
Claro que nem todos os jovens se enquadram no panorama descrito acima, mas penso que esses não faziam parte dos não sei quantos milhares de manifestantes do 12 de Março pois ainda há jovens que, querendo tirar os cursos da sua preferência, não consideram que o estado é obrigado a sustentar as suas opções conscientes e vão à luta.
À luta verdadeira, dura, difícil.
Não à luta do FACEBOOK, das manifestações ou das cantigas e que terminam nos bares de moda, nas mensagens dos telemóveis de última geração ou dos portáteis mais sofisticados que os papás pagam.
Esses jovens são empreendedores, confiam nas suas capacidades e não se importam de começar numa empresa a desempenhar funções abaixo das suas habilitações e competências. Têm paciência e sabem que um dia serão reconhecidos e a sua oportunidade chegará. Não ficam em casa, no conforto do seu quarto, agarrados ao computador a mandar currículos pela internet (isto nos intervalos de mais uns joguinhos online e de umas mensagens para os amigos).
Esses jovens são aqueles a quem eu chamo desenrascados, por oposição aos que só se lamentam que estão «à rasca».
Quando terminei o meu curso, comecei imediatamente a procurar emprego nos mais variados locais: escolas, bibliotecas, museus…todos os dias via a página dos classificados dos jornais à procura de uma vaga para professor de História, Português ou Geografia.
Nada aparecia. Entretanto, e como não queria estar sem fazer nada, inscrevi-me na Escola Superior de Jornalismo do Porto. Enquanto esperava por uma coisa ou outra, montei uma pequena escolinha em casa e comecei a dar explicações. Para além disso, ajudava os meus pais no seu negócio. Um dia, vi no JN um anúncio a pedir uma professora de História para Freixo de Espada à Cinta. Sem contar nada a ninguém (pois tinha medo que os meus pais e namorado me tentassem fazer desistir da ideia) concorri e fiquei colocada, pois fui a primeira classificada entre vinte e nove candidatos ao cargo. Do meu ano de licenciatura, fui dos poucos que comecei a trabalhar logo no 1º ano porque não fiquei em casa a lamentar ou a protestar.
É claro que os tempos são outros mas eu trago aqui a minha experiência de vida para mostrar que todos os jovens têm um caminho difícil a percorrer é só sairão dessa situação se em vez de estarem constantemente a dizer que estão «à rasca», devem antes tornar-se uns desenrascados. 

Por
Maria Emília Cardoso

8 comentários:

  1. Boa Tarde,
    Sem duvida que o conceito por si desenvolvido de "geração desenrascada" se enquadra perfeitamente a uma realidade bem presente. Mais desassossego me causa quando vejo muitos jovens ponderar: vale a pena estudar? Que enorme estreiteza de pensamento e de visão!
    Posso-lhe dizer que eu tenho uma crença inequívoca nos valores matriciais demo-liberais, a saber, liberdade, igualdade e meritocracia.
    Haverá uma crise de valores aliada a crise politica e economico-financeira? Acredito que sim, uma vez que a protagonização de uma crise social ainda que seja pouco evidente, esta de braço dado com a doutrina dos valores.
    Neste momento vejo-me um pouco céptico no ceio académico, uma vez que ainda esta semana me deram a conhecer que o Fundo da Ciência e Tecnologia iria ter redução nas bolsas aos altos estudos, apesar do anuncio do ministro Mariano Gago, inscrito no orçamento de estado, dando conta que o investimento em R&D( research&development) iria ter um aumento de 4%.
    Permita-me que dê a conhecer uns dados, salvo erro do ISEG, dando a conhecer que somente 3% da população estudantil desse instituto pensou alguma vez em criar um projecto empreendedor. Em Portugal, e pela sina de um conhecido retrato social, procura-se sempre trabalhar por conta de outrem e nunca se faz a esforço para abraçar um projecto individual por sua conta. Certo é que, as dificuldades de financiamento são evidentes, mas grandes ideias...ninguém lhes tira as asas.
    O mesmo país em que durante anos se procurou a protecção paternalista do estado, em que a função pública era "untouchable" e que agora se tem consciência de novos caminhos. Dogmatismo em matéria laboral não pode existir. Reconheço a sensibilidade da questão mas tem que se proceder a uma reforma de coragem e "embebida" de pragmatismo.
    Parcialmente de acordo com o seu artigo, vou concluir no seguinte tom: cada vez mais, tem que haver a consciência de que a nata da nata ira vingar no mercado. A tendência da viragem do mercado de trabalho é no sentido da maior participação dos privados em todos os sectores, saltará para o palco, mais do que nunca, a avaliação e reconhecimento do trabalho e dos bons valores a si inerentes. Porque o pressuposto capitalista clássico smithiano é atingir o lucro e para que esse lucro seja atingido é necessário "gente capaz".
    O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.

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  2. Este género de análise é característico do pensamento "condomínio fechado". O mundo conhecido não vai além da nossa classe. Acaba por ser um problema burguês: projectamos o próximo com base na nossa realidade. António Barreto é sociólogo representante máximo desta corrente. http://arrastao.org/1056247.html?thread=16222967

    10.14.1.14 Tenta vender o peixe Norte-americano.

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  3. Caríssimo Ricardo Garcia,
    que agressividade embebida de facciosismo e preconceito, não se exalte.
    O que é que da minha analise lhe tirou tanto o sossego?

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  4. "10.14.1.14 Tenta vender o peixe Norte-americano.
    4 de Abril de 2011 14:35"
    eu fico enfadado ao ler coisas deste género...
    Como é possível no dia 06/04/2011 em que o sistema internacional vigente é uni-multipolar, ter uma visão tão simplista e não vanguardista modelando a actualidade com base numa concepção bipolar.
    Excelentíssimo Ricardo Garcia se hoje fosse 06/04/1963 até teria alguma credibilidade.

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  5. Prezada Maria Emilia Cardoso,

    Parabéns pelo texto e por abordar um tema tão actual e fracturante.

    Apesar de concordar com alguns dos seus argumentos presentes neste texto, confesso que tenho uma interpretação diferente da maior parte deles. Sendo este um espaço de partilha, deixarei algumas notas sobre as suas reflexões.

    Em primeiro lugar quero relembrar-lhe que não são os jovens deste país que definem o funcionamento do sistema educativo mas antes as gerações dos seus avós, numa primeira fase, e a geração dos seus pais no momento actual. É lamentável que a incompetência e falta de visão a médio/longo prazo daqueles que moldam o sistema educativo os leve a inventar vagas e cursos sem enquadramento para depois assistirmos ao desespero dos milhares de licenciados em Gestão, Comunicação Social e Direito (os 3 cursos em Portugal com maior índice de desemprego associado segundo dados do IEFP). Não sei porque refere os cursos de Relações Internacionais (RI) ou Relações Públicas (RP) (terá a ver com o facto de terem sido alunos de RI a organizar a manifestação do passado dia 12?) e é claro que, tendo eu sido aluno desse curso (RI) e sabendo que a esmagadora maioria dos meus colegas de curso está empregada em embaixadas, autarquias, empresas multinacionais e organizações internacionais, faz me alguma confusão. Principalmente quando os dois cursos que cita não aparecem sequer na lista do 15 cursos com maior taxa de desemprego associada em Portugal. De qualquer forma, não me parece que tenham saído à rua 300 mil alunos ou ex-alunos de RI ou RP ou mestres em Paz no Mundo. Estavam lá alunos de gestão, direito, enfermagem, contabilidade e finanças, história, línguas mas também estavam lá médicos e engenheiros informáticos, não porque não têm emprego mas porque compreendem que isto não é uma luta de desempregados mas acima de tudo o choque geracional onde nós, jovens, legitimamente pedimos contas a uma classe política medíocre, disfuncional e incapaz. É um direito que nos assiste em democracia. Se temos iPhones ou iPads, tal parece-me não só irrelevante como entendo que utilizar esse argumento para sugerir que não estamos assim tão à rasca é faccioso e manipulador. Se seguirmos por essa linha de raciocínio eu posso relembrar-lhe a quantidade de portugueses com contas desequilibradas que se endivida anualmente para comprar carros de topo ou férias fora do país. Mais do que um sinal externo de riqueza, tais situações assemelham-se ao carácter materialista/megalómano do português sem dinheiro, característica mais sentida nas faixas etárias entre os 40 e os 60 anos, conforme comprova o estudo do INE sobre as finanças dos portugueses de 2009. Será que este tipo de comportamento é hereditário?

    (continua)

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  6. (continuação)

    Claro que concordo consigo no que diz respeito à (des)organização do sistema de ensino: não se avalia convenientemente as necessidades do mercado de trabalho o que dá origem à proliferação de cursos disfuncionais, obriga-se uma criança de 13/14 anos a decidir no 9º ano o percurso que vai definir o seu futuro académico/profissional, falta enquadramento e falta planificação. Por tudo isto, nós jovens agradecemos a todos os incompetentes que passeiam diariamente pelo Ministério da Educação e do Ensino Superior por serem incapazes de fazer o seu trabalho convenientemente. Quem licenciou esta gente?

    A caríssima Maria Emilia Cardoso não esteve presente na manifestação mas eu estive e vi bem o que lá se passou. Vi muita gente com empregos que lá estiveram por solidariedade com a situação em si, pessoas que, tal como refere e bem, foram à luta. Mas quantos vão diariamente à luta sem resultados? Num mundo de compadrios e interesses, o acto de “ir à luta” não é igualmente fácil para todos. E recuso totalmente a distinção que faz entre jovens empreendedores e os supostos jovens que ficam em casa a mandar CV’s pela net porque existem muitos empreendedores que não conseguem uma oportunidade porque neste país, ser empreendedor muitas vezes depende de quem se é filho, em que partido se vota e quem são os nossos amigos. Não se trata de uma mera questão dinamismo.

    Um último aspecto que queria focar é a sua aversão a luta através do facebook, às manifestações e às cantigas da moda. Numa outra ocasião que tivemos oportunidade de trocar algumas impressões, falei-lhe na importância do Facebook, por exemplo, nas convulsões sociais no Magrebe e no Médio Oriente. Não podemos menosprezar a força da tecnologia que permite diminuir distâncias e promover plataformas de entendimento e esclarecimento, principalmente quando estamos a falar de países subdesenvolvidos onde o acesso à informação é limitado. O Facebook é uma ferramenta vanguardista e cheia de potencial e, como tal, parece-me abusiva qualquer referência depreciativa ao seu papel na sociedade actual. As manifestações e as “cantigas” são sinais dos tempos, indicadores de que algo está mal e de que é tempo de reformar este país. Um pouco à semelhança da música de intervenção antes do 25 de Abril.

    Um abraço,

    João Mendes

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  7. Caro amigo 10.14.1.14,

    Às vezes sinto que, no interior do teu ideário demo-liberal consegues fugir à tendência neo-realista dos "Waltzs" e "Morgenthaus" e ser ainda mais idealista do que eu. A prova disso é essa "crença inequívoca nos valores matriciais demo-liberais...igualdade, liberdade e meritocracia" que tu sabes tão bem ou melhor que eu que há muito estão completamente estilhaçados e subvertidos pela promiscuidade político-financeira do establishment ocidental. Se fossem os mais competentes a ter a função de dirigir o país, nenhum dos nossos antigos PM's o poderia ter sido...tu podes acreditar nesses valores, eu também acredito, mas sabes bem que o tabuleiro político os ignora e desvaloriza em detrimento dos clientelismos e alinhamentos de conveniência.

    Posto isto, como queres tu que se estimulem as células empreendedoras dos jovens portugueses? Que exemplos tens para lhes mostrar de que esse é O caminho? Eu acredito nesse caminho mas não neste contexto em que, muitas vezes, o mais apto é o que levou mais miúdos a votar nas listas da JS ou da JSD ou o filho daquele grande empresário que só quer mordomias e fatos Armani mas é incapaz de elaborar uma análise SWOT ou um simples relatório. É evidente que neste cenário os jovens preferem a segurança de um emprego público. Para que empreender se isso é um "luxo" de alguns?

    Por fim, uma última nota sobre a tua abordagem sobre o mercado de trabalho. O recurso mais importante do mercado de trabalho é a mão de obra porque o capital não se movimenta sozinho. Os trabalhadores devem ser protegidos pelas leis laborais e devem ter segurança porque quando as empresas vão ao charco, raramente se vê o patrão na miséria. As previsões do Adam Smith falharam, a mão invisível não funciona por isso não te deixes iludir com transformações naturais porque antes dessa "gente capaz" poder liderar a nova alavancagem da economia e preciso primeiro regular a actividade do sector empresarial privado (especialmente no sector financeiro), dar condições iguais para que todos possam evoluir e para que a meritocracia faça sentido e promover o desenvolvimento humano. Quando se reunirem estas condições poderemos pensar em lucros e crescimento, até lá tudo são solucções de curto prazo com efeitos residuais.

    Um abraço

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  8. Maria Emília Cardoso6 de abril de 2011 às 10:52

    Boa tarde meus caros

    Só passei por aqui para esclarecer que ainda não respondi a nenhum de vocês porque não tenho tido oportunidade pois estou «à rasca« com a minha falta de tempo. Mal tenha um pouco de descanso, voltarei.
    Entretanto, agradeço, como sempre, a vossa atenção ao meu artigo.

    Um abraço.

    Maria Emília Cardoso

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