sábado, 5 de março de 2011

A Sociedade adormecida

Parte I – A ponta de um grande novelo.

Ciberterrorismo para uns, liberdade de informação para outros, já ninguém é indiferente ao WikiLeaks, um dos actores políticos em maior destaque na actualidade. Independentemente de hipotéticos objectivos ocultos que esta organização possa ter por detrás das verdades reveladas, nunca os líderes mundiais tiveram tantas insónias como nos dias que correm. Ninguém sabe quem será o próximo… E não é que fomos nós as últimas “vítimas”?
No decorrer da passada semana, o semanário Expresso juntou-se aos inúmeros jornais de todo o mundo que decidiram divulgar os documentos disponibilizados pela plataforma liderada por Julian Assange (não deixa de ser curioso que o primeiro jornal português a estabelecer uma parceria com o WikiLeaks seja controlado pelo grupo Impresa, propriedade de Francisco Pinto Balsemão, único português membro permanente do Grupo Bilderberg). Dos 5 telegramas trocados entre a embaixada norte-americana em Lisboa e Washington, revelados até agora (parcialmente censurados), o WikiLeaks apresenta-nos as habituais promiscuidades políticas a que pacificamente nos temos vindo a acomodar, pressões políticas com vista à concessão de favorecimentos ao gigante do armamento norte-americano Lockheed Martin, críticas duras ao antigo Ministro da Defesa Nuno Severiano Teixeira e ao funcionamento medíocre das Forças Armadas Portuguesas, onde o rácio de altas patentes por número de soldados efectivos é um dos mais elevados dos aparelhos militares modernos em todo o mundo, isto para não falar nos cerca de 170 generais na reserva a receber reformas milionárias. Qualquer semelhança com o aparelho político-partidário português é pura coincidência.
Mas a cereja em cima do bolo materializa-se nas declarações do embaixador norte-americano em Lisboa, Thomas Stephenson, que refere, no seu telegrama de 5 de Março de 2009, que “os desejos e acções do Ministério da Defesa parecem ser guiados pela pressão dos seus pares e pelo desejo de ter brinquedos caros”. E acrescenta que o Ministério da Defesa “compra armamento por uma questão de orgulho, não importa se é útil ou não.” Stephenson refere-se aos dois submarinos e 39 caças (dos quais apenas 12 funcionam conforme refere o documento) que Portugal adquiriu em 2009. Stephenson foi substituído em Novembro do mesmo ano por Allan J. Katz.
Muito mais haveria a dizer sobre os documentos disponibilizados pelo WikiLeaks. Importa-me destacar que até o Sr. Assange já sabe que somos governados por gente incompetente, irresponsável e, segundo o antigo embaixador norte-americano, orgulhosa (no sentido mais pretensioso da palavra). Aparentemente, os portugueses são os únicos que ainda não se aperceberam. Talvez se pedirmos à Globo para fazer uma novela sobre o assunto consigamos captar a atenção de uma fatia considerável da população. Até lá, continuaremos a dormir como sempre fizemos.
Contudo, vivemos tempos de mudança. Aos poucos, os portugueses começam a acordar. A maior parte destes portugueses atentos partilha algumas características que, pouco ou nada puderam fazer para contrariar: nasceram entre meados da década de 70 e meados da década de 80, e apesar de serem a geração mais qualificada da história do país em termos académicos, viram o seu futuro hipotecado pela incompetência, corrupção e mediocridade da rotatividade governativa de PS e PSD pós-25 de Abril e, como consequência, não têm condições de emprego ou esperanças realistas de estabilidade económica no futuro. Para além destes factores negativos, não se podem dar ao luxo de ser empreendedores de circunstância porque, por um lado, a UE já não despeja dinheiro em Portugal para distribuir sem controlo e, por outro, já não é tão fácil abrir uma empresa, roubar o dinheiro, comprar um Ferrari e fechar a empresa. Bons velhos tempos do Vale do Ave e do Vale do Sousa… Ah! Quase que me esquecia de outra característica fundamental, central em todo este emaranhado: os principais culpados por toda esta situação têm o péssimo hábito de culpar estes jovens pela suposta degradação da sociedade, em todas as suas vertentes, quando foi precisamente a geração anterior, a sua, a principal responsável pela destruição da credibilidade política, social e económica de Portugal.
No próximo dia 12, a geração do futuro hipotecado vai se manifestar. Manifestar-se não só pela precariedade da sua situação mas também contra a compra desses “brinquedos” militares inúteis, contra as frequentes renovações da frota automóveis dos vários ministérios, contra a ostentação da classe política e todas as mordomias imorais que envergam à custa do cada vez mais pobre contribuinte, contra os salários milionários que alguns dos nossos políticos acumulam com reformas também elas milionárias, contra os salários milionários de administradores de empresas públicas que acumulam essa função com outro emprego e a desempenham de forma péssima na generalidade dos casos, contra as derrapagens de milhões das grandes obras públicas deste país, como o CCB ou a Casa da Música, contra o financiamento de partidos políticos que se deveriam financiar com as cotas dos seus associados e não com dinheiros públicos e contra mais, muito mais.
Queremos saber porque é que há dinheiro para tudo isto se o país está perto da bancarrota e não nos pode ajudar. Queremos pedir contas à cobardia dos dirigentes deste país que nada fazem para alterar este estado de coisas. Queremos justiça e democracia para todos. Aos poucos, a sociedade começa a abrir os olhos e demarcar-se da postura de ombros encolhidos daqueles que foram educados para não contestar estas anormalidades. Chegou o momento de depor o Ancién Regime. Mas tudo isto é apenas a ponta de um grande novelo…
“Every generation needs a new revolution”
Thomas Jefferson

Cumprimentos,
João Mendes

6 comentários:

  1. Maria Emília Cardoso6 de março de 2011 às 08:40

    Caro João!

    Um artigo excelente, na senda dos outros que já escreveu.
    O retrato que faz do país está carregado de desalento e revolta e mostra que estamos a chegar ao fim de um paradigma de sociedade que começou após a revolução francesa e está a ficar esgotado. Estamos a viver uma época decadente e isso verifica-se nos costumes, na perda de valores de referência e na desumanização. Se a marcha da humanidade não anda para trás, teremos de nos recriar para voltarmos a ter esperança e futuro. Não são só os jovens as vítimas desta «nomenklatura» que nos governa, os idosos e os desempregados de meia idade também sentem que não há lugar para eles, são excedenários neste país à beira mar isolado. Promove-se a idiotice, o chico espertismo, a ausência de qualidade, o facilitismo e desvaloriza-se o esforço, a preparação e o rigor. Quanto ao dia 12, não sei se valorizo esse tipo de manifestações que agora são apresentadas como se de um evento social se tratasse, marcadas via internet e sms e com muito pouca profundidade nos seus objetivos. Vai ser mais uma «coisa gira» a que muitos jovens irão, vão tirar muitas fotos e colocá-las no FACEBOOK, tipo «I was there» e depois, no dia seguinte, fica tudo na mesma. Oxalá me engane,mas penso que não.
    Quanto aos políticos, vão estar lá para agitar as massas e tentarem tirar os maiores dividendos desse «evento». E os jovens continuam sem perceber que estão a ser usados para proveito do «senhores» que se seguirão. Sempre tudo previsível, sempre tudo igual.

    Um abraço.

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  2. Podia estar aqui a dar a minha opinião sobre a manifestação, sobre a wikileaks, as forças armadas... mas vou só falar sobre o que me toca mais neste texto: O seu tema principal.

    Os meus colegas amigos e vizinhos sempre me tiveram como alguém ligeiramente inteligente mas muito sossegado, reservado e pouco ambicioso. Portanto muito se surpreenderam quando comecei a ligar a política. Verdade seja dita, nunca me atraiu muito, sou pouco dado a pessoas e a discussões.

    No entanto abri os olhos para o facto de ser esta gente que manda em nós, quer queiramos quer não! E se simplesmente virarmos as costas estamos a abdicar da oportunidade de defender os nossos interesses. Se não formos politicamente activos e atentos aos factos, estamo-nos a condenar a votar no que, nos 3 dias antes das eleições fizer o discurso mais bonito!

    Quando se chega ao extremo de um governo a querer construir uma rede de TGV que só vai beneficiar as construtoras e os bancos, sem trazer benefício praticamente nenhum para os contribuintes, a quem pedem cada vez mais sacrifícios em troco de nada, torna-se óbvio que a opção de viver uma vida "sossegada" em que "não ligamos à política" é sinónimo de escravidão face a uma classe política que vive de troca de favores e só pensa na sua própria barriga.

    "Para que o mal vença, basta que o bem não faça nada"

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  3. João;

    Li o teu texto um pouco rápido, pois tinha um pouco de pressa e o tempo era apertado, desliguei o computador a pensar no teu texto e com uma mão cheia de ideias a surgir-me.
    Hoje, voltei cá para comentar o teu texto com base nas ideias que me surgiram e qual o meu espanto que a Professora Emília Cardoso teve exactamente a mesma ordem de raciocínio que eu!

    Obviamente a minha construção do testo seria outra, seria ao meu género, mas iria ser muito muito aproximado àquilo que a Professora escreveu!

    Concordo plenamente com ela. Esta é mais uma manifestação que no dia seguinte é como se não tivesse existido no comportamento dos participantes e será uma actividade com muitos muitos dividendos, infelizmente.

    Mas não condeno quem participe, pelo menos existe qualquer coisa, os jovens começam a mostrar o seu descontentamento, pode ser o começo de uma nova época, em que os jovens não ficarão em casa calados.

    Um forte abraço!

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  4. Prezada Maria Emília,

    Muito obrigado pelo seu comentário e pelo tom elogioso com que se refere aos meus artigos, é gratificante.

    É verdade, o paradigma está esgotado e a classe política não se preocupa em procurar alternativas porque mexer no actual status quo mexe com muitas ligações priveligiadas onde não convém tocar. É verdade que não são os jovens as únicas vítimas desta realidade mas também é verdade que representam a maior percentagem da mesma e são os que menos puderam fazer para inverter o actual estado de coisas.

    Quanto à manifestação, não consigo prever o que se irá passar ali. À semelhança de outros eventos do género, teremos lá pessoas realmente preocupadas e comprometidas com a causa, teremos esses míudos que lá vão tirar fotos para o facebook, teremos jovens a aproveitar o momento para passear e sabe-se lá mais o quê. mas não podemos negar que é um sinal dos tempos que correm. Um sinal significativo relativamente ao qual só poderemos conjecturar a partir de dia 13. Quanto ao facto que refere de se convocar um evento destes via facebook, lembre-se da importância desta ferramenta no contexto da vaga democrática no Magrabe/Médio Oriente. Penso que não podemos desvalorizar a força das redes sociais e da tecnologia em geral nos tempos que correm.

    Um abraço

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  5. Rui,

    Obrigado pelo teu comentário.

    Temos tido várias conversas, muito produtivas, e considero que és uma pessoa que, apesar da filiação partidária, consegues ser muito equilibrado e sabes separar claramente o partido do Rui e isso é muito importante porque a maioria das pessoas simplesmente não sabe.

    Concordo com o teu comentário em toda a sua extensão. É necessário intervir, questionar, não ir em discursos bonitos e, acima de tudo, não ser "ovelha". É preciso estar atento à política, participar e sobretudo questionar quando surgem situações como o TGV que referes onde apenas duas ou três entidades estão a ser beneficiadas enquanto o contribuinte comum apenas vê a sua vida a andar para trás...

    Um abraço e parabéns pela postura cada vez mais independente que tens vindo a assumir!

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  6. Nuno,

    Obrigado pelo teu comentário.

    Mais do que a manifestação em si, importa verificar os sinais que a sociedade civíl vai dando. O descontentamento é evidente e importa não criar outra geração de pessoas caladas consumidores de novelas e de tralha sensacionalista SIC/TVI. Pessoas mais atentas escrutinam melhor os executivos e fazem mais barulho nos momentos em que a sociedade precisa de barulho. Se a mainfestação irá correr mal ou bem não sei e provavelmente nem chegarei a saber porque, como referes e bem, no teu último texto neste mesmo blog, a forma como as notícias são difundidas contribuem para uma forte manipulação da opinião pública. E nós sabemos bem que não são estes jovens que tem a capacidade de se mexer ao nível editorial dos meios de comunicação social.

    Um abraço

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