
A obra de Eça de Queirós permanece, quase assustadoramente, actual na sua análise à sociedade portuguesa. Embora escrito no séc. XIX, o retrato queirosiano de Portugal extravasa o seu tempo histórico (podia ter sido redigido no séc. XII, XV ou XXI, tal é a força das suas palavras). A leitura de qualquer obra de Eça de Queirós deixa-nos um sorriso agridoce nos lábios, pois exclamamos "isto afinal pouco ou nada mudou". Tendo como referência a obra mais conhecida do autor, "Os Maias", encontramos um episódio que nos remete para o mais recente acontecimento social da nossa cidade, o famoso episódio "Corridas de Cavalos".
Inserido sensivelmente no meio da obra, este episódio retrata a alta sociedade lisboeta, a tentativa de igualar Lisboa às restantes capitais europeias e a civilidade e o cosmopolitismo artificial e forçado da sociedade. Mais: o retrato caricatural é perfeito, pois o hipódromo revela-se uma fogueira de vaidades bem ao jeito português. O sentido do ridículo perde-se totalmente.
Também a nossa cidade tinha de ter a sua "Corrida de Cavalos". Partindo de uma tradição (meia dúzia de pilecas a correr, por acaso, ao longo da linha de comboio), decidiu-se construir nos trilhos desactivados da estação em ruínas apocalípticas uma pista para cavalos. Eu repito: Uma pista para cavalos no centro da cidade nos antigos trilhos do comboio! Um cenário verdadeiramente caricatural e ridículo.
Este evento também serve para observarmos a gestão e preservação do património público: ninguém mostrou preocupação com a protecção e manutenção da antiga estação e do seu espaço envolvente (uma autêntica ferida em aberto no tecido urbano) e foi preciso a intervenção do deputado Honório Novo do PCP para que se emparedasse o edifício mas, para uma corrida de cavalos, tudo pareceu funcionar correctamente, tanto ao nível das autorizações como das verbas disponíveis. Prioridades.
No fundo, a construção de uma pista para cavalos nos antigos trilhos até se revela uma boa ideia e com visão: uma vez que o metro parece cada vez mais uma miragem, talvez se possam substituir as composições do metro por coches no troço entre a Trofa e o ISMAI. E até servia de atracção turística.